Ofilme Divertidamente 2 gerou grandes expectativas no seu lançamento. Alcançando um marco histórico ao se tornar o filme de maior bilheteria do século no Brasil, com mais de 20 milhões de ingressos vendidos em todo o País, o filme parece ter suprido o que os fãs esperavam da sequência.
A parceria Disney-Pixar costuma dar certo, mas essa tem um toque especial que pode ter ajudado a animação a conseguir a identificação com os fãs e resultados tão expressivos. Dirigido por Kelsey Mann, a obra retrata os dramas da adolescência de uma forma criativa e didática, transformando as emoções em personagens e os processos psicológicos em ambientes dentro da mente da personagem principal, a pequena Riley. No processo de criação dessas metáforas, a produção do filme contou com a consultoria de dois psicológicos na formulação dos personagens e analogias do filme, Dacher Keltner e Lisa Damour, dando um respaldo teórico ao filme.
Um dos conceitos introduzidos no filme, que não estavam presentes no primeiro longa da sequência, foi o “sistema de valores”, um conjunto de crenças pessoais desenvolvidas durante as experiências obtidas ao longo da vida. Na animação, esse sistema é representado por uma árvore brilhante no interior da Riley, em uma espécie de zona restrita. Para entender melhor essas e outras representações do filme, conversamos com a professora Luciana Caetano, do Instituto de Psicologia da USP.
“A Riley está construindo um sistema de valores. Agora, o que vai estruturar essa adolescência, essa nova árvore que ela vai construindo, de valores pessoais, é que eles experimentaram alguns valores construídos na infância, se alimentaram dessas experiências que ela vivenciou, inclusive da superação das dificuldades vivenciadas. Novas construções são feitas, as emoções se tornam mais rebuscadas, bebem mais de contribuições das normas e valores dessa autorregulação que ela é capaz de fazer agora pelo desenvolvimento cognitivo do adolescente”, explica.
Emoções e experiências
O sistema é influenciado pelas emoções e pelas experiências que são introduzidas como prioridades na árvore. Por sua vez, a construção da árvore influencia as decisões da pequena Riley no plano real da vida cotidiana.
Outra novidade é a adição de novas emoções na chamada “central de comando” da adolescente. Os novos personagens são sentimentos típicos da fase inicial da juventude: ansiedade, inveja, vergonha e tédio, emoções mais rebuscadas e frutos de uma fase mais autopercebida, se juntam à alegria, tristeza, raiva, nojo e medo, sensações de caráter primário.
“O adolescente é capaz de pensar sobre as próprias emoções, pensar sobre os próprios pensamentos e avaliar os seus próprios sentimentos. E essas novas personagens são emoções que estão acabando de chegar lá, no painel de controle da Riley, e não são emoções inatas, elas não são emoções com as quais ela nasceu, mas são emoções que são trabalhadas e construídas culturalmente no processo de desenvolvimento do indivíduo, que são chamadas emoções secundárias. Eu sinto vergonha quando eu me autoavalio, né? E eu posso decair aos meus próprios olhos quando eu ajo de uma forma que não está coerente aos meus valores da minha árvore de valores como a Riley vai construir a sua”, elucida.
Embora muitas pessoas possam ter percebido os personagens tais como a ansiedade e inveja como vilões da trama, a professora esclarece que esses mecanismos, assim como os da tristeza, alegria ou raiva, também são construtivas e fazem parte da formação natural da personalidade de um ser humano. “Trazer a inveja a priori, para qualquer pessoa leiga, pode parecer tratar ali de uma emoção ruim. Mas o que importa é a interação dela com outras emoções e como ela nos ajuda em certas situações. A ansiedade, por exemplo, tem uma dimensão muito positiva, né? É isso que nos move a estudar mais para passar num teste, nos motiva a conquistar um prêmio, se dedicar a um esporte, então ela tem uma dimensão muito interessante, que é nos levar e nos mover a buscar as nossas metas e os nossos objetivos.”
Para Luciana Caetano é importante ressaltar que essas construções não são um processo impositivo, ao qual caberia ao sujeito apenas o papel de espectador. Pelo contrário, a docente indica que as pessoas têm uma participação ativa nesses processos. “Se tem algo em que as doutrinas da psicologia concordam é o papel da agência do sujeito. Então eu não sou determinado pelo meio, eu sofro influências do meio, mas essa construção dessa autorregulação interna do sujeito é uma tarefa de cada um de nós, nós temos agência nisso, nós somos ativos nesse processo de diálogo com essas influências. A coisa mais importante que a gente fala é que um adolescente precisa construir uma autonomia. Tomar as rédeas da própria vida na mão”, finaliza.