Agronegócios

Agricultores da região torcem pelo fim da estiagem



O açude que a família Savatim construiu há 50 anos está totalmente seco pela primeira vez. "Tomamos um susto. A gente já via a água baixando desde o ano passado. Quando chegou abril, fomos levar o gado até lá e já não tinha mais água" conta o estudante Lucas, 20.
A família, que é dona de uma pequena propriedade em Tanabi, na região de Rio Preto, vive da produção de queijos.

"Os peixes morreram, e agora temos de usar um poço da propriedade para dar água aos animais. Estamos pedindo ajuda da prefeitura para tentar recuperar as nascentes, mas se isso não der certo, só vai restar rezar pela chuva", diz o estudante.
Além de cabeças de gado, a família arrenda terras para cultivo de cana-de-açúcar para uma usina da região. Mas o plantio da cana também sentiu os efeitos da falta de água. "A produção diminuiu e o rendimento da cana também", conta o pai de Lucas, Adenir Savatim, 67.

A roça, que deveria ter sido plantada no começo de setembro, já está atrasada, diz o agricultor. Em anos passados, de boa chuva, as famílias da região conseguiam plantar antes e se planejar melhor. Agora, podem levar mais dois ou três meses até conseguir saber como será a próxima safra.

A família Savatim não é a única nessa situação. A falta de chuvas, o registro de geada e as queimadas no campo preocupam o produtor e fazem com que ele adie planos.

"A seca fez com que tivéssemos perdas substanciais de algodão, um pouco de soja e também de arroz [cultura que depende muito de irrigação]. A safrinha de trigo também sofreu com a falta de água", lembra o professor do Insper Alexandre Chaia.

Ele avalia que o agronegócio deve contribuir menos para o crescimento do Brasil em 2022, e que a perda de área plantada ainda deve impactar ganhos do setor no ano que vem.

"Tivemos uma combinação perversa de falta de chuvas, geadas e queimadas. Torcemos para que ano que vem não tenha um período tão seco e que as perdas na safra de 2022/2023 sejam menores", diz Chaia.

"A venda de roçadeiras agrícolas diminuiu cerca de 80%, pela falta de grama, que não cresce sem as chuvas", diz Maria Xavier, vendedora da Q-Casa & Campo, em  Rio Preto (SP).

"A gente tem esperança de que chova e o tempo vire logo, mas o céu aqui está até cinza, como a gente nunca tinha visto." Ela conta que os únicos equipamentos que tiveram algum aumento nas vendas nos últimos meses foram os sopradores para folhas secas.
"É um efeito cíclico, infelizmente. No ano passado, a gente teve uma seca longa. Estamos há dois anos seguidos com uma estação seca muito pronunciada e um verão [estação chuvosa] muito curto", diz Fabio Marin, professor do Departamento de Engenharia de Biossistemas da Esalq/USP.

Ele pondera que ainda não é possível fazer uma relação direta entre a falta de chuvas e as mudanças climáticas, já que períodos de seca não são fenômenos incomuns. "Mas também não dá para descartar os efeitos do clima no campo. A gente vê os impactos dessa falta de chuvas na produção de cana-de-açúcar e de café, por exemplo."

"A gente ainda está no início da safra. Por mais que algumas regiões estejam atrasando o início do plantio, o cenário é melhor que no ano passado, quando as chuvas só chegaram no fim do outubro", diz o coordenador do mestrado profissional em agronegócio da FGV (Fundação Getulio Vargas), Felippe Serigati.

"Podemos ter um período maior de seca em algumas regiões até a segunda quinzena de outubro e uma redução das chuvas entre dezembro e janeiro. Isso leva o produtor a tomar estratégias: se ele tenta antecipar o plantio ou postergar."

Agricultores do interior paulista também reforçam que a temporada de queimadas tem piorado a situação já agravada pela seca histórica na região. Em apenas dois dias de agosto, o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) detectou 248 focos de incêndio no estado. Nos oito primeiros meses do ano, foram mais de 2.400 registros.

Com a chegada da primavera, no dia 22 de setembro, e o início do plantio das culturas de grãos --como milho, feijão e soja--, o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) tem aconselhado o produtor rural a plantar somente quando chuvas se estabilizarem.

As previsões do instituto são de um início de outubro seco no interior da região Nordeste, no Matopiba (acrônimo dos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) e no extremo sul do Rio Grande do Sul.

"Todas as regiões mais importantes para o agronegócio têm tido chuvas abaixo da média, e temos a expectativa de que elas voltem com mais força após o período seco, na segunda quinzena de outubro", diz Cleber Souza, meteorologista do instituto.

Ele pondera, entretanto, que há o risco de formação do fenômeno climático La Niña agora, na primavera. "Ainda não sabemos a força, mas ele pode diminuir a estação chuvosa. As chuvas ocorreriam de outubro até março, mas com o fenômeno La Niña, elas podem acabar em fevereiro."

Esse fenômeno climático reduz as chuvas no Sul, Sudeste e Centro-Oeste, prejudicando as lavouras dessas regiões, enquanto favorece as chuvas no Norte e Nordeste.

O Boletim de Monitoramento Agrícola Cultivos de Verão e Inverno (Safra 2020/21), publicado pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), aponta que a média diária do armazenamento de água no solo durante a primeira metade de setembro ficou abaixo do esperado no Paraná e em São Paulo.

A condição de seca na região central do país, que já dura meses em alguns estados, causou restrições em regiões produtoras de trigo de São Paulo e do norte do Paraná, diz a Conab.

A safra total de grãos e oleaginosas do Brasil em 2020/21 foi estimada no início de setembro em 252,3 milhões de toneladas, queda de 1,8% na comparação com a temporada anterior, como reflexo de severas perdas na produção de milho, segundo a companhia.

Isso também deve continuar impactando nos preços dos alimentos e fazendo com que a inflação fique ainda mais distante do limite da meta para este ano (de 5,25%) e pese ainda mais para o consumidor.

O IPCA-15, prévia da inflação, apontou que, em 12 meses até setembro, os preços tiveram alta de 10,05%. Ao ir ao supermercado, o consumidor sente essa elevação sobretudo nas carnes (28,4%), aves e ovos (24%), cereais (19%) e açúcares (18,1%).

Com o tempo seco, já há estimativas de alta de 40% no preço do café até o fim do ano. Também são esperadas novas altas no preço do açúcar (cujo produto refinado já acumula, em 12 meses até setembro, aumento de 27%), de ovos e frango, do arroz e do feijão.

Por atingir os mais pobres, a inflação faz com que muitos brasileiros tenham cada vez mais que trocar alimentos mais caros por outros mais em conta --a carne primeiro cedeu lugar ao frango e, em seguida, ao ovo; famílias de menor renda já procuram miúdos e pés de frango. Os mais pobres inclusive disputam ossos e restos de carne, como tem ocorrido no Rio de Janeiro e em Cuiabá.

Com o dólar sem dar sinais de queda, o que aumenta a vantagem para a exportação de commodities, e a demanda internacional por grãos e proteína animal ainda forte, a tendência é que a inflação dos alimentos permaneça resistente no ano que vem, dizem os economistas.

A alta dos preços dos fertilizantes tem sido outro desafio para o produtor, também pelos efeitos do câmbio. Em alguns casos, os produtos tiveram aumento acima de 100% no primeiro semestre.

"Tivemos um ano ruim para o milho e o café, mas nenhuma dessas quebras explica essa alta tão grande dos alimentos", diz o professor Marin. "Os produtos têm preços fixados lá fora e houve uma subida dos preços durante a pandemia."

"Com o aumento da demanda e a redução na produção, tivemos uma pressão maior de preços, que deve se manter. As cadeias ainda não se ajustaram e isso vai fazer os preços dessas commodities agrícolas continuarem em alta", diz Chaia.

Ele avalia que o consumidor brasileiro ainda vai sentir a pressão sobre os preços ao longo do ano que vem. "Estamos com um problema sério na inflação. O Banco Central já desistiu de levar o IPCA para o centro da meta, agora se contenta em levá-lo até mais perto do limite."

Com esse momento atual de incertezas políticas e econômicas, falta de investimento e escassez hídrica, também podemos ter novas pressões sobre o dólar, complementa o economista.


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